Os LLMs são uma ameaça existencial à Retail Media?

Por Bruno Cioffi

O Walmart anunciou uma parceria com a OpenAI para integrar seu catálogo diretamente ao ChatGPT, por meio do novo recurso chamado Instant Checkout.

Com ele, o usuário pode pedir algo dentro da própria conversa, por exemplo, “me mostre um bom micro-ondas”, e o ChatGPT apresenta opções de produtos do Walmart, compara preços e permite concluir a compra sem sair da janela de chat.

O pagamento e o envio acontecem pelo próprio Walmart, via integração com parceiros como Stripe.

O recurso faz parte da iniciativa de comércio conversacional chamada agentic commerce, que já inclui Etsy e Shopify. A Walmart é a primeira grande varejista a aderir ao programa.

Por enquanto, está em fase inicial nos Estados Unidos, voltada a compras de item único, mas marca o primeiro passo para uma experiência em que o consumidor pode descobrir, decidir e comprar dentro de um mesmo ambiente conversacional.

LLMs estão capturando tráfego, mas ainda são minúsculos

Um estudo de Kaiser & Schulze (2025) analisou 973 sites de e-commerce com US$ 20 bilhões em receita combinada. Apenas 0,2% do tráfego total veio de LLMs, sendo 90% via ChatGPT. Em números absolutos, foram cerca de 50 mil transações originadas em LLMs contra 164 milhões vindas de canais tradicionais.

Mesmo com esse volume marginal, o estudo mostra que o tráfego orgânico de LLMs (oLLM) ficou atrás de todos os canais, exceto paid social, em métricas como taxa de conversão e receita por sessão.

 

 

Mas há um dado importante: a conversão do ChatGPT vem crescendo mês a mês, sugerindo que o modelo está aprendendo a gerar recomendações mais relevantes.

A tendência não é de substituição imediata, mas de convergência lenta.

As buscas transacionais ainda pertencem aos varejistas

Segundo a eMarketer (2024), 56% dos consumidores nos EUA iniciam suas buscas de produto na Amazon, superando os 42% que começam no Google.

No Brasil, o BRICS Competition Forum (2025) indica que 54% dos consumidores iniciam suas compras em marketplaces como Amazon, Mercado Livre e Shopee.

Essa concentração explica o contraste apontado pela NBER (Chatterji et al., 2025): apenas 2,1% das buscas na OpenAI são transacionais.

Mais de 70% das mensagens trocadas no ChatGPT tratam de temas não relacionados a trabalho, e dentro do uso profissional, escrita e tomada de decisão representam 80% das interações.

Ou seja, o consumidor ainda não entra no ChatGPT para comprar, mas para entender o que comprar.
A diferença é sutil, mas crucial: os LLMs são ferramentas de descoberta e aconselhamento, não ainda de conversão.

O Instant Checkout muda o funil, não o canal (ainda)

O grande avanço do Walmart é permitir que o ChatGPT encurte a distância entre descoberta e conversão.

Até agora, o varejo digital se estruturava em funis clássicos: awareness, consideration e conversion.
O LLM desmonta essa sequência, integrando tudo em uma única interface conversacional.

Isso tem dois efeitos estratégicos:

Para o Walmart, cria uma nova camada de propriedade de dados e reduz a dependência do Google.
Para marcas e agências, complica a mensuração: se a compra acontece dentro do chat, quem ganha o crédito da venda?

A ameaça, portanto, não está no tráfego perdido, mas no controle da jornada de decisão. O LLM começa a se posicionar como a nova porta de entrada, e quem controla a entrada, historicamente, controla a monetização da atenção.

A história mostra: quem domina atenção, dados e resultado atrai investimento

A migração dos gastos de mídia do offline para o digital não aconteceu apenas por tecnologia, mas pela mudança nos hábitos de atenção das pessoas.

Com o público cada vez mais online, a economia da atenção transferiu os orçamentos publicitários para os ambientes digitais.

Mas havia outro fator decisivo: mensuração e retorno sobre investimento. O digital não só concentrava atenção, mas oferecia dados, rastreabilidade e eficiência, algo que a mídia tradicional não podia entregar.

Hoje, o Retail Media reúne esses dois elementos: o hábito de compra/atenção, já presente nos marketplaces, e a mensuração precisa, com dados e resultados em tempo real. É o canal que melhor captura a intenção de compra, o elo final do funil. 

Já Google e Meta operam na lógica da atenção ao longo da jornada, com o Google dominando a descoberta e a pesquisa e a Meta influenciando desejo, consideração e lembrança.

Google/Meta monetizam atenção, enquanto o Retail Media monetiza intenção.

O risco é estrutural (e para todos)

Tanto o Google quanto a Meta construíram seu domínio publicitário por estarem presentes em toda a jornada de compra.

Ambas começaram fortes no fundo do funil, o Google como principal canal de busca transacional e a Meta pela capacidade de converter dentro das redes sociais  e, com o tempo, expandiram para o topo da jornada, com produtos voltados à descoberta e ao awareness, como o YouTube e o próprio Instagram.

Mas o verdadeiro diferencial das duas nunca foi apenas acompanhar a jornada completa, e sim entregar fundo de funil e vendas.

Foi isso que consolidou seu poder: transformar atenção em conversão mensurável, exatamente o que o Retail Media faz hoje dentro dos marketplaces.

O risco dos LLMs, portanto, é mais profundo.

Não se trata apenas de deslocar tráfego, mas de disruptar a própria jornada de compra.

Ao integrar descoberta, comparação e decisão dentro de uma conversa, os LLMs podem fragmentar ou até eliminar o funil que sustenta Google e Meta, tirando delas o controle sobre atenção e intenção.

E se esse comportamento se consolidar, o impacto se estende também aos varejistas. Com o Instant Checkout, o consumidor pode deixar de entrar no site do marketplace para pesquisar, reduzindo exposição a anúncios e a toda a lógica de mídia que alimenta o Retail Media.

Enquanto os marketplaces ainda contam com barreiras fortes  como economia de escala, preço competitivo, hábito de compra e logística integrada, o risco deve ser menor, já que o varejo provavelmente continuará sendo o ponto final da compra.

O Instant Checkout talvez não elimine o e-commerce como conhecemos, mas pode redefinir o hábito de compra, tirando a jornada das big techs e dos marketplaces e fazendo com que as pessoas simplesmente parem de ir comprar e passem a conversar para comprar.